Mestre Santinho da Boca do Rio

A Barca do Mestre Santinho

Agradecimentos:

Agradeço acima de tudo ao Mestre Santinho por ter, de forma tão generosa, doado um pouco de beleza ao mundo e as nossas vidas com suas telas, verdadeiras visagens do sertão e do litoral, nos causando revoada de sensações que mesclam paz, saudade, alegria e música.

Á família do Mestre por me haver permitido fotografar as telas. 

Esta página tem a única intenção de louvar as obras do Mestre Santinho da Boca do Rio, que perecem fruto do descaso governamental frente a cultura popular.

Todos os poemas contidos nesta página são de autoria de Luar do Conselheiro, criados no período de Fevereiro de 2011 em Brasília; lançando olhares poéticos por sobre as imagens projetadas em tela.

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O Tarrafeiro

É o Balé do Povo! diriam entusiastas.
é a dança que acompanha as marés
bailado negro diriam outros ainda
arte autóctone Tupis, Aimorés.
os braços ágeis ameaçam lançar
mas vão e voltam com o mesmo trançado
até que os olhos se voltam brilhosos
ao ponto correto de ser lançado
os braços imitam a dança das águas
de traz para frente circunda o espaço
os dentes libertam o peso do chumbo
e a rede é lançada qual malha de aço.
ali é cercado o possível alimento
e é comemorado o erguer da labuta
o peixe é levado pro cesto na areia
e um canto a Iara na praia se escuta.
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Cangaceiros (Tela não concluída)

Sangue, terra, couro e poeira.
destinos incertos, caminhos desertos
sangue, tropas e carvão.
dormem juntos o sono dos justos
heróis encourados do Rei do Sertão
bebem da cálida taça de Morfeu
cingida de lama suas vestes farrapos
tocados por ventos num delírio ateu
dormem na terra os grandes soldados
descansam da guerra outrora travada
velando o sono dos incautos do povo
repousa sagrada a sua quimera
tecendo cangaços, nascendo de novo.
nos peitos de aço repousa uma fera.
nascendo cangaços, tecendo de novo.

Casario

Vou com ele por entre as ruas
em becos, vielas e casarões
vou com o vento redescobrindo
velhos sobrados e barracões
lembro da velha do lenço branco
com suas filhas a proteger
barrando os versos desassombrados
tapando os olhos que podem ver
vejo o boteco do velho Roque
e a padaria do seu Gilsan
eu lembro o gosto do milho verde
e do bolinho de carimã
hoje essa rua que no meu tempo
cheirava á chuva e á tapioca.
não tem mais verso, nem o triângulo
seu Zé vendendo sua taboca.
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Espelhos

Biata mãe, minha mãe Beata
vi a senhora no pôr do sol
tua saia branca só reluzia
menos que a guia do pai maior
vi tua face misteriosa
tão gloriosa estrela guia
vi poesia em teu semblante
vosso turbante resplandecia
o teu espelho todo em magia
só refletia vossa doçura
a armadura que revestia
a dor tardia quebrou de dura
Quem sabe um dia Biata mãe
quem sabe um dia ó mãe Beata
antes que a noite carregue o dia
carregue a noite da dor que mata.

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Destoca

Queimou, mulato velho.
a capineira da duna alta
a coivarada de capim seco
a pastarada ta destocada
é só limpar e esperar chuva
é só plantar pra poder colher
é só pescar pra esperar a lida
é só rezar pra Jesus descer
doce de coco pra tirar o azedo
e a piaçava pra cobrir o céu
óleo de baleia pra cobrir do medo
melaço de cana, cana pura e mel
o licurizeiro ontem pegou fogo
mas é só molhar e ele vem brotando
toda matarada vai brotar de novo
e tu vai colhendo o que eu vou plantando

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Restinga

Pra completar o trajeto
por que só estão de passagem
vão traduzindo miragem
onde quer que se encontrem
outrora, ant'ontem
cavaleiros de si mesmos
são mesmo redes a esmo
arguta semente humana
são plantadores de cana
pescadores de cada dia
pacientes por harmonia
areia, água e luz
aurora colora os azuis
os tons vão alcançando a paz
e o dia se finda lilás
vão traduzindo miragem
por que só estão de passagem
pra completar o trajeto.

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Puxada de Rede

O rito diário, a lida comum
pescar ganhamum, puxar o arrasto
trazida do pasto a isca perfeita
a rede é refeita depois da puxada
deixando a enxada e pegando na corda
a vida é quem molda o homem real
é tão natural a partilha do peixe
enfiando num feixe seu peixe, o quinhão
e leva na mão o diário alimento
provendo sustento a sua família
que espera em vigília o retorno do negro
podia ser Pedro ou mesmo João
um pai ou irmão, nunca se sabe ao certo
mas de longe ou de perto tem sempre um braço
que venha no encalço do outro a frente
assim a semente da força de irmãos
faz calos nas mãos mas a rede é puxada
e nessa empreitada o peixe é salário
no rito diário da beira do mar.
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Aratubaia

A madrugada escolta (Mar a dentro)
Madeira molhada. Chove na Boca do Rio.
Meu rio caminha, seu passo sério e antigo
Mas o mato sumiu... O mato sumiu.
Quatorze horas, as velas ponteiam no horizonte
Os braços se irmanam em prol da partilha
Vermelhos, dourados, pintados, azuis
Alimentam famílias... Alimentam Famílias.
Fogueiras atentas fustigam as postas
As costas... Possuem sua própria dinâmica
Diferem e muito da grande metrópole
Mecânica...
...Mecânica.

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Prosa.

Segue perene de cortesia
Vão adentrando-se mutuamente
Vão relembrando, vão reluzindo
Vão reencontrando-se calmamente
O dia a dia, o laboremos.
O pró labore, os dividendos
Vão memorando-se, vão dividindo-se
Vão atacando...Se defendendo.
Naquela rua do Bananal
A prosa segue com cortesia
Uma calçada bem vassourada
Em frente a casa de vó Maria.

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Chegada

 
Vindo de longe
Abarcado pelos ventos da costa
Trago frutos do oceano azul da Bahia
Tenho peixe para lhe servir em posta
Meus pés pisam areia, menina.
Minha pele é couro de mar
Sou anfíbio marrento marinho, Marina.
A areia, as águas...o barco é meu lar.
Hoje veio cação e arraia, Marina
Me acende a brasa de palha de coco
Que eu vou tratar esse peixe Menina
E depois saio atrás de toco.
Madrugada eu volto pro mar... Minha sina
Com a vela, o remo e o vento me movo
Mas se a lida for boa, garanto Marina
Que eu volto pra praia de novo.

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A Espera.

Foi catar manga o gaguinho
Nos matos do Pituaçú
Foi ver se acha caju, meu bichinho
E ingá pra dar pra tu
Ele foi pegar camarão e traíra
Tilápia, piaba e pitu
Ele foi mas já volta de lá, Macambira
Das águas do Pituaçú
O gaguinho cortou piaçava, bichinho
Mas é tu quem a vai carregar
Pra cobrir a palhoça do velho gaguinho
Que o tempo vai invernar.
Mas tu não se preocupe burrinho
Que a palha que ele vai trazer
Também cobrirá a varanda bichinho
Protegendo ele e você.

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O Vaqueiro

Como encantos sonoros e calmos
São as nossas manhãs do sertão
O aboio enamorando os bichos
Relembrando antiga paixão
A boiada que pasta em deleite
Agora solta da baia que estava
Já nos deu o seu mais puro leite
Alimentando a fome que dava
E o dia passou calmamente
Como todo dia neste torrão
A tarde avermelhou lentamente
Quando o crepúsculo sangrou o Sertão.

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O Caboclo

Seus pés pisam firme o chão
O chão que sabe ser seu
Ele brinca com chuva e trovão
Lá dentro do peito meu
“Na gameleira de Oxossi dá sombra”
Escuto o seu maracá
Todo mato, todo bicho se assombra
Com a pisada pesada que dá
Meu caboclo de alma ferida
Meu guerreiro de luta e de fé
Caminhemos de pé pela vida
Pela vida andemos a pé.